Domingo, 26 de Abril de 2009

No dia 30 de Janeiro de 2009, Sexta-feira, o nosso grupo deslocou-se até à Associação de Deficientes das Forças Armadas, no Porto, a fim de realizar uma entrevista a um invisual. O senhor Adélio Simões, com toda a sua simpatia e simplicidade, disponibilizou-se, de imediato, a responder às nossas questões.

 

Adélio Simões

67 anos

Reformado

 

         

 

Neste momento está a exercer alguma profissão?

Adélio Simões: Não, estou reformado.

 

O que é que fazia?

A.S: Eu trabalhei sempre e até depois de ficar cego. Perdi a vista aos 22 anos, na tropa, na guerra. Depois passei por centro de reabilitação de cegos, a “Grange” e por sinal, em 1971, vim trabalhar para a avenida de França, numa fábrica de torneiras e autoclismos. Estive aqui 2 anos, ao fim de 2 anos a firma passou para Leça da palmeira, lá estive 3 anos a trabalhar para uma fábrica numa secção de montagem.

 

A origem do acidente foi na guerra?

A.S: Exacto.

 

Depois de sofrer o acidente, como se adaptou? Quais as principais coisas na sua vida que mudaram?

A.S: Na altura mudou tudo em geral. Voltei, como se costuma dizer, à estaca zero. Estive 6 anos no hospital militar. Não foram 6 dias, foram 6 anos. Esses 6 anos foram entre 1963 e 1969. Em 1966 fiz o estágio de reabilitação de cegos. Quando tive alta do hospital, vim para a “Grange” e daí comecei a minha vida. Conheci a minha mulher, sou casado e tenho três filhos. E continuo. A partir daí, é claro, dentro dos possíveis fiz uma vida normal.

 

Hoje em dia, no seu dia-a-dia, quais são os maiores obstáculos/dificuldades que sente?

A.S: Os grandes obstáculos são as coisas que estão colocadas nos passeios que não deviam estar e os postes de electricidade e outras coisas assim.

 

Sentiu que ao estar nesta situação afectou a sua relação com as pessoas?

A.S: Não. Em parte não. Quer dizer, por um lado, havia aquelas pessoas que com eu mais convivia, os amigos e assim. Deixei de ter o contacto com eles. Eu vivia na aldeia e depois fui para a guerra, praticamente passava por lá oito, quinze dias, mas também criei outras amizades.

         

 

Quanto à sociedade, é bem aceite? Sente algum tipo de preconceito?

A.S: Existem pessoas ainda com bastante preconceito em relação a esta doença. Isso acontece-me muitas vezes. Por vezes estão pessoas ao pé de mim e dizem “coitadinho”, mas eu não ligo. Isto são coisas que não me afectam nada.

 

Tem alguma ajuda do Estado?

A.S: Sim, se eu fiquei cego ao serviço do estado ele tem que me estar a compensar.

 

Quanto às alterações, o que acha que devia ser mudado, pelo Estado, para facilitar a vida das pessoas invisuais?

A.S: Há muitas coisas que o Estado podia ajudar. Principalmente com o caso da cegueira. Hoje, existem equipamentos sofisticados. Há cegos que conseguem trabalhar como uma pessoa que veja, nos computadores… Mas claro, para adquirirem esse equipamento, não é qualquer pessoa que vai adquirir, porque o computador torna-se o triplo mais caro do que um computador normal, só por causa do programa que tem. E quem diz isso diz outras coisas.           

 

O quê que faz para ocupar o seu tempo?

A.S: Este centro é um centro de actividades. Nós aqui vamos fazendo várias actividades em vez de estar em casa sem fazer nada. Por exemplo, à Segunda-feira, fazemos natação na parte da manhã, à tarde fazemos actividades no computador, às Terças e Quartas de manhã vem cá um professor de Belas Artes dar aulas, à Quinta-feira temos um professor de ginástica e à Sexta é um dia livre, sem actividades.

 

Quantas pessoas fazem parte desta associação?

A.S: Actualmente, somos 15 pessoas.

 

Desenvolveu alguma capacidade sensorial com a perda da visão?

A.S: Sim, a audição fica mais apurada, o olfacto e o tacto.

 

No seu caso, o senhor tem cegueira completa?

A.S: Exacto. Nem tenho os olhos. Os cegos como eu, têm dificuldades em desenvolver algumas actividades, principalmente na locomoção das ruas e até estudar. O cego que nasce cego aprende a andar sem ver, aprende a ler praticamente já sem ver. Eu, por exemplo, leio o Braille, mas ocupo-me pouco a lê-lo. Tenho que estar ali a apalpar, há muitos que passam o dedo e, com facilidade, conseguem ler como uma pessoa que veja.

 

Quanto ao Braille, foi fácil aprender?

A.S: Sim, foi fácil. Aprendi rapidamente. Enquanto estive no hospital, tive um colega que me ensinou. Quando vim para o centro já sabia ler Braille.

 

Tem alguma ideia como é que são as coisas agora, tendo em conta o que já viveu, as coisas que já viu, consegue adaptar essas imagens ao presente?

A.S: A vida quotidiana, estes últimos anos, evoluiu muito. Tanto as pessoas, como a maneira de viver e de ser. Tenho mais ou menos uma imagem das coisas. Sei que os carros hoje em dia, estão com uma linha mais moderna do que há trinta, quarenta anos atrás. As pessoas vivem de outra maneira. Sei que, olhando à influência da vida, hoje aldeias, cidades e tudo estão muito mais desenvolvidas. Consigo reconhecer isto.

 

        

 


 

 No dia 7 de Fevereiro de 2009, Sábado, o nosso grupo teve o prazer de entrevistar a senhora Alice Ramos, professora de educação especial. A entrevista foi realizada em casa de uma colega nossa, Isabel Oliveira, e, desde já, gostaríamos de agradecer a disponibilidade de ambas.

Alice Ramos

50 anos

Professora de educação especial

 

        

 

 

Neste momento qual é a profissão que exerce?

Alice Ramos - Eu estou com crianças com necessidades educativas especiais de carácter prolongado. Mais propriamente com crianças com multidificiência. Estou numa Unidade com sete, oito crianças e uma delas, a mais pequenina, é cega e não fala.

 

Que idade é que essa criança tem?

A. R.- Tem cinco anos.

 

Sempre foi esta a sua profissão?

A. R. – Não. Eu tirei o curso de educadora de infância. Trabalhei cinco anos com crianças, as ditas “normais”, e depois é que comecei a trabalhar com crianças com deficiência.

 

O que é que a levou a escolher esta profissão relacionada com a educação especial?

A. R. - Foi assim... por uma coincidência. Eu nunca tinha trabalhado com este tipo de crianças e depois tive uma proposta. Falaram-me numa educadora no centro de paralisia e convidaram-me. Eu aceitei o desafio. Portanto, a partir de 1985 comecei a trabalhar com estas crianças. De início só com paralisia cerebral.

 

Que relação é que consegue manter com esses seus alunos?

A. R. – Eu olho para eles como crianças normais, sempre foi a minha atitude. Se tiver que ralhar com eles railho, portanto, olho para eles sempre desta forma acho que é a forma mais correcta de se olhar para eles.

 

No seu dia-a-dia, durante as aulas, quais são as principais dificuldades que sente com os alunos?

A. R. – É assim com os alunos não é que eu sinta assim grandes dificuldades. Tive quando me surgiu agora este caso, nunca tinha trabalhado com crianças cegas e, portanto, estava um bocado angustiada, porque é um trabalho totalmente diferente e não foi nessa área que eu me especializei. Portanto, tive que estudar e passei assim umas férias horríveis a pensar como é que ia ser, porque realmente era um desafio muito grande. Com os outros alunos vou arranjando estratégias para trabalhar com eles. 

 

O que é que eles fazem lá na escola?

A. R. – É assim eu estou numa Unidade. Uma Unidade o que é? Portanto, recebe crianças com multidificiência. Crianças que, por princípio, não fazem outro tipo de aprendizagens académicas. O que eu faço é tentar trabalhar situações em que eles, por exemplo, possam ter autonomia e possam treinarar-se para a vida activa. Coisas que são situações do dia-a-dia, muito reais. Posso tentar ensinar, por exemplo, o nome. Reconhecer o nome deles, tentar que alguns escrevam. Eu já estou há treze anos com alguns e só agora é que eles começaram a escrever o nome deles.

 

É um processo muito longo…

A. R. – É muito lento… É assim, uma pessoa não pode ter grandes espectativas em relação aqueles meninos porque senão o que é que acontece? Uma pessoa desanima e, portanto, como estamos sempre à espera de alguma coisinha... qualquer coisinha já é uma vitória, não é? E eu encaro o meu trabalho um bocado assim.

 

Durante estes anos que já está lá na Unidade, já passou por alguma situação mais complexa que lhe atingisse de certa forma?

A. R. – Muitas. Já tive cinco crianças que morreram. Felizmente, nenhuma foi lá na sala, mas quando eu te digo que lido com elas como crianças normais, uma pessoa também acaba por se afeiçoar muito a elas e, portanto, é como perder um elemento da família.

  

Na sua família tem alguma pessoa com dificuldades motoras ou sensoriais?

A. R. – Não.

 

Neste momento, sei que frequenta um curso de língua gestual...

A. R. – Sim…

 

O que a levou a querer aprender a comunicar desta maneira?

A. R. – Era uma coisa que eu gostava muito, mas como nunca tinha tido nenhuma criança que necessitasse da língua gestual... O curso de língua gestual é assim, ou tu tens com quem treinar, ou então não vale a pena, senão esqueces. Agora como tenho um jovem que é autista e, portanto, comecei-lhe a ensinar alguns gestos, comecei a sentir necessidade de aprender para poder trabalhar com ele.

 

Acha que por saber comunicar dessa maneira lhe vai ser, de certa maneira, útil no seu dia-a-dia? Neste caso que tem este novo menino autista, acha que vai ser muito mais útil para tentar-lhe inculcar alguns sinais. Acha que, durante o seu dia-a-dia, isso lhe vai ser útil?

Normalmente as pessoas quando se referem aos autistas dizem que eles vivem num mundo só deles.

A.R. – Eu não sinto isso com o Diogo. Portanto, ele é um jovem que, por exemplo, faz contacto ocular, o que não é normal nos autistas, é meigo, também é um bocado contraditório àquilo que se ouve dizer dos autistas. Procura o contacto físico, portanto ele não é aquele autista mesmo profundo. Agora a necessidade que eu tenho de o entender e de ele também se fazer entender é por isso que eu acho que a língua gestual que o vai ajudar.

 

         

Agora, falando mais da sociedade... Para si quais são os principais preconceitos que a sociedade de hoje apresenta?

A. R. – Olha, eu costumo dizer uma coisa que é: estes meninos são muito esquecidos. E, apesar de duro é a verdade, eles não votam, porque se eles votassem talvez as pessoas olhassem para eles de outra forma. Por isso mesmo, dá-se esta resposta. Fala-se muito da escola inclusiva...

 

A inclusão social?

A. R.- Isso não é bem a realidade. Quer dizer, os meninos estão ali, mas se não estivessem era melhor. Percebes? Portanto, aquilo que eu sinto é um bocado isso. É um bocado a minha revolta. Eu estou com eles porque gosto muito de trabalhar com eles, por exemplo, eu ha três anos podia ter optado e podia ter deixado a educação especial. Podia ter ido trabalhar para um jardim de infância, mas também não desisto assim tão rapidamente dos desafios e, portanto, tento lutar, porque gosto mesmo do trabalho que faço. Agora, uma coisa é certa, realmente se estes meninos não existissem era muito bom, não para mim mas...

 

Há muitas pessoas interessadas em trabalhar com estes meninos? Como nós não estamos tanto a par destas coisas, não temos bem a noção se existem pessoas que estão interessadas ou se são poucas as pessoas que se interessam por trabalhar com estas crianças. De lhes dar uma oportunidade. Por exemplo, no caso de um adulto com deficiência, quando vai à procura de trabalho é complicado para ele arranjar emprego?

A. R. – Olha, eu por exemplo agora estou numa situação um bocado complicada. Isto porquê? Porque já tenho uma aluna que já tem dezassete anos, portanto, ja está fora da escolariedade obrigatória e andamos há não sei quantos anos a tentar arranjar uma saída para ela e as portas fecham-se todas. Se é uma criança que tem muita autonomia e consegue fazer algumas tarefas há algumas respostas, não muitas. Há esta resposta da escola até aos 16, 17 anos. Às vezes ainda deixam ficar até aos 18, mas depois retiram os miúdos das instituições e põe-nos nas escolas públicas… A partir dessa idade não têm resposta, e a maioria deles vão para casa, onde têm de ter uma pessoa que esteja com eles. Normalmente, o que é que acontece com estes pais? A mãe não pode trabalhar. Os nossos alunos são transportados pela carrinha da Câmara, depois quando vão para casa têm de ter uma pessoa lá à espera. Só temos dois meninos que dali vão para um ATL. Para um ATL que por acaso os aceitou, mas não têm cadeira de rodas, não têm nada. Quando aparecem as cadeiras de rodas e outras situações como problemas de comportamento as portas começam-se a fechar. Há uma coisa que me intriga um bocado que é: aqui há uns anos, já há muito anos, nós não recebíamos casos novos, e eu não percebia porquê e depois comecei a perceber. O Estado dava uma grande quantia por cada menino que fosse para a instituição. Portanto, eles acabavam por receber tudo porque recebiam esse dinheiro. Agora, como saiu a nova legislação, os meninos têm que estar nas escolas públicas, depois o problema que se coloca é quando eles atingirem a idade adulta.

 

 

Que limitações a sociedade apresenta para com as pessoas com deficiência? Acha que a nova legislação é uma maneira de integrar estes alunos com os outros meninos normais e com a sociedade em si, ou acha que eles deveriam ser colocados em escolas especializadas, onde pudessem conviver com outras pessoas que também tivessem os mesmos problemas?

A. R. – Não, eu acho que eles devem estar nas escolas públicas com os outros meninos. Embora, isto que eu vou dizer é um bocado contra aquilo que os livros dizem, mas eu acho que para este tipo de crianças com multideficiência não. Acho que devem estar realmente numa Unidade e depois há momentos em que eles estão juntos. Os nossos meninos vão ao teatro, participam nas festas todas da escola, nas actividades todas da escola, vão, por exemplo, levantar e por as mesas. Há outro tipo de actividades que eu gostava de fazer com eles como a culinária e não consigo porque são necessárias obras para se ter lá o fogão. Como é que eu posso, por exemplo, ensinar o valor do dinheiro? Não posso pegar nas notas e dizer “olha isto são vinte euros”. Eles têm que sentir qual é o real valor do dinheiro e isso aprende-se como? Indo às compras, fazendo as compras. Perto da escola existe um mini-mercado, uma peixaria, um talho... Tem tudo o que eles precisam para ir fazer as compras e poder, portanto, lidar com o dinheiro. Só assim é que eles aprendem. É com actividades muito concretas, que poderiam ser muito úteis para a vida futura deles. Pronto, quer dizer, isso nem sempre é possível porque é aquilo que eu digo: eu gosto muito do trabalho que faço, gostava era que me dessem condições para poder fazer melhor.

 

Se pudesse o que é que mudava na sociedade?

A. R. – O que é que eu mudava? Olha, eu mudava a mentalidade das pessoas, de algumas... não de todas, não quer dizer que não hajam pessoas que não sejam sensíveis a este tipo de crianças. Agora é assim, penso que só quem sente na pele mesmo, quem tem filhos, ou quem tem um familiar, como tu me perguntaste ao bocado, mas penso que se isso acontecesse as pessoas mudavam. Eu costumo dizer uma coisa que é: se o Sá Carneiro fosse vivo, eu penso que era uma pessoa que teria feito muito por estes meninos. Isto porquê? Porque soube que ele, ele não chegou a saber, mas teve um neto ou uma neta com paralesia cerebral e, quer dizer, eu penso que as pessoas só são sensíveis quando lhes toca na pele, não é? Não quer dizer que sejam todas as pessoas assim...

 

Exacto, mas a maioria é.

A. R. – A maioria e, quer dizer, mesmo isto de querer os meninos na escola é todo muito bonito mas não lhes criam melhores condições para eles estarem na escola. Trazem os meninos para a escola. Os meninos até estão na escola com os outros, mas depois chegam ao ponto... Eu considero que é uma utopia querer que todos os meninos deficientes estejam numa sala do regular com os outros. Agora imagina, por exemplo, que eu tenho uma criança que tem convulsões, que tem N de convulções por dia. Eu acho que era violentar aquela criança se ela estivesse numa sala do regular. O que é que ela está ali a fazer? Uma criança que não não vê, não fala… Quer dizer, aquilo que eu trabalho com ela são situações de bem-estar, de estimulação sensorial. O que é que ela estava a fazer numa sala do regular? Eu nego-me a fazer isso. Até ao dia em que me obriguem mesmo... Eu acho que é um bocado ridículo, porque nós temos que ter respeito por aquelas crianças e, também, pelos outros. Eu faço actividades com eles na sala. Acho que é muito mais produtivo do que eles estarem a irem para as salas para ouvir um professor a falar de coisas que eles não vão perceber nada. Eu, por exemplo, constumo contar, esta situação que vi e que achei ridícula. Uma vez num Seminário que eu fui, mostraram-me um excerto de um filme em que a criança entrou e a professora estava a dar a aula. Ninguém parou. A professora não parou de dar a aula, ninguém cumprimentou aquela criança que entrou, a criança ficou no fundo da sala com uma auxiliar. A aula decorreu normalmente e a criança fez aquilo que, eu costumo dizer, é o mais inteligente, adormeceu. Portanto, no tempo em que lá esteve, ela esteve a dormir e depois bateram à porta, chamaram por ela, porque a carrinha já tinha chegado. Se isto é inclusão?... Portanto, eu não concordo com este tipo de situações. Acho que o trabalho que eu estou a fazer, não quer dizer que esteja tudo bem aquilo que eu faço, mas tento fazer o melhor que sei e que acho que os poderá ajudar mais.

 

        

Publicado por Grupo 3 às 13:35